E essa sensação fica ainda mais forte quando o diretor criativo do jogo, Johnny Galvatron (da banda australiana The Galvatrons) o descreveu como:

História

The Artful Escape conta a história de Francis Vendetti, um músico que está prestes a fazer o seu primeiro concerto em sua pequena cidade natal chamada de Calypso. O local respira admiração pelo tio de Francis, chamado de Johnson Vendetti (clara inspiração em Bob Dylan), uma lenda do folk que morreu ainda jovem. Ambos elementos colocam uma grande pressão sob Francis. O protagonista é cabisbaixo e sente o peso de ser uma sombra de um grande artista, algo que acontece com muitos que ousam seguir a mesma carreira que um parente que marcou história. Nos primeiros minutos de jogo podemos explorar a cidade de Calypso, durante a caminhada vemos cartazes, e todo tipo de propaganda que sempre faz questão de lembrar que Francis está em segundo plano. Algumas pessoas da cidade de dão força para Francis, mas a maioria só quer saber se ele será um novo Johnson Vendetti. Mas Francis é um jovem que, apesar de gostar de folk, é um entusiasta em ficção científica e prefere solar com uma guitarra em uma caixa valvulada ao invés de repetir acordes em um violão. Ele sabe o que esperam dele e também que quer ser mais do que aquilo. Ao passo que, às vésperas de sua primeira apresentação, ele ainda é um músico sem identidade. A virada de chave narrativa que nos leva aos desdobramentos do jogo acontece quando, na noite anterior à sua estreia como artista, o protagonista é surpreendido por uma série de acontecimentos inesperados. Convidado por uma figura misteriosa, ele embarca em uma espaçonave habitada por uma série de alienígenas que estão ali para ver os maiores shows que o cósmico extraordinário já viu, e cabe ao jogador entregar a eles justamente o que estão pedindo.

Transformação

The Artful Escape consegue unir uma narrativa cinematográfica com a linguagem interativa de um jogo. Isso é fundamental para entendermos e sermos peça ativa no amadurecimento de Francis. E tudo começa quando, na noite anterior à apresentação, Francis é visitado por um sujeito chamado Lightman, um músico intergaláctico que convida o jovem para ser seu número de apresentação. Agora, cabe ao jogador entregar aos alienígenas um show tão surpreendente quanto os visuais que estaremos prestes a visitar no jogo. A partir daí vivemos altas aventuras, cheia de som e luz, dignas das letras mais absurdas das bandas de rock progressivo dos anos 1970. É curioso ver que todo esse turbilhão de ambientes e seres incríveis são “desculpas” para ajudar Francis na criação dessa persona artística que ele tanto almejara. Até por isso faz sentido que o jogo escolha uma representação tão focada em elementos alienígenas: quem o protagonista é como músico é tão distante do universo folk que, para os fãs de seu tio que veem nele uma continuidade de seu legado, o som que é feito poderia muito bem ter sido fruto de outro mundo.

Jogabilidade

Avaliar um jogo é bem diferente de fazer um review de filme, afinal controles simples e com pouco — quase nenhum — desafio deveriam ser, em regra, tão grave quanto uma montagem confusa num longa-metragem. Porém, a proposta de experiência de The Artful Escape é efetiva e os desafios não se encontram na jogabilidade, tão pouco com o jogador, mas sim internamente com Francis, que casa perfeitamente com a narrativa. Não há inimigos na tela enquanto caminhamos pelo cosmos, na verdade, segurando um botão ficamos solando durante nossa caminhada por lugares espetaculares. O mais próximo de um segmento tradicional de um videogame, seriam os momentos que temos “batalhas” com alguns chefes. Devemos repetir a sequência de cores por meio dos botões do controle. Mas não pense em nada que exija tanta habilidade quanto um Guitar Hero. Essas sequências estão mais próximos de um jogo de memória do que simulador de guitarra.

Direção de Arte

Falar em 2021 que o cenário indie entrega jogos com direção de arte tão grandiosas e lindas quanto os AAA milionários não é um absurdo. Ainda sim, é importante frisar que se não tivesse um visual tão impressionante, The Artful Escape, por melhor que seja, poderia sim, cair no esquecimento. As paisagens gigantescas, as poses de Francis ao solar sua guitarra e as câmeras nesses momentos visualmente deslumbrantes, se aproximando e se afastando, criando cenas dignas de capas de Roger Dean (artista responsável pela capa de álbuns lendários de bandas de rock progressivo), são parte fundamental da experiência proposta por Johnny Galvatron, com o adendo que ele viveu algumas experiências incríveis enquanto músico.

Som

Falando em Galvatron, existe um contexto interessante em pontuar na trilha sonora do jogo, que foi composta pelo idealizador do jogo. O música declarou que se inspirou na lenda “Dark Side of the Rainbow“, nome que se deu a experiência de dar der play no álbum “Dark Side of the Moon” do Pink Floyd ao mesmo tempo que o terceiro rugido do leão da MGM no início do filme “O Mágico de Oz”, quando as obras conversam num timming perfeito. Para chegar num resultado semelhante, Galvatron compôs uma música que permanece em um mesmo acorde, então, ao longo dessa faixa, foram gravadas dezenas de camadas de guitarras, que foram cortadas, editadas e então construindo peça por peça o que soaria bem em determinadas partes do jogo. Ou seja, as composições de Galvatron não foram precisamente pensadas em cada cena ou ação de Francis, mas sim, no casamento da inspiração da direção de arte, pelo que foi gravado pelo idealizador e a experiência de quem está jogando. Isso quer dizer que, se eu sair solando por aí no jogo, e outro jogador preferir não aberta tanto o botão enquanto caminha, teremos uma experiência completamente diferente em relação à trilha sonora do jogo. Dito isso, fica é claro que Galvatron e a equipe da Beethoven & Dinosaur conseguiram atingir seu objetivo, resultando numa trilha sonora tão poderosa surpreendente quanto os visuais, num casamento digno de musicais.

Subtextos

Citei acima o filme Quase Famosos e em The Artful Escape temos algo muito parecido no sentido mostrar por meio da fantasia o que é amadurecer. Diferente do filme de Cameron Crowe, no jogo podemos ter essas analogias mais gráficas. As cenas em que Francis viaja por exemplo, é usado a hip-hop montage (técnica de montagem, acelerada, com cortes rápidos, que se popularizou no filme Réquiem para um Sonho, nas cenas em que os personagens se drogavam) dando a entender que essas viagens do protagonista poderia ser apenas uma experiência com alucinógenos, algo comum por artistas da época. Mas é bom ressaltar que o jogo, em nenhum momento é explícito ou faz apologia ao uso de drogas ilícitas. As bandas The Who e Pink Floyd lançaram os filmes Tommy e The Wall, respectivamente, com a ideia de transformar seus álbuns em experiências que fossem além da música. Embora nenhuma das obras acontecem no espaço ou contam com alienígenas, as estruturas narrativas, baseadas em óperas rock é bem semelhante à space opera, que na época, era inviável financeiramente. Johnny Galvatron, com The Artful Escape, finalmente dá aos saudosistas dos anos 1970, por meio dos videogames, a tão sonhada space opera embalada com solos de guitarras, aliens e uma explosão de cores pelo cosmos. Não é nenhuma novidade, mas outras referências à narrativa estão intrínsecas com a história de figuras marcantes da música, que vão desde o tio do Francis, Johnson Vendetti, que visualmente lembra o Bob Dylan, mas com a história de morte precoce de muitos ídolos dos anos 1960 e 1970. Além do nosso protagonista, que representa a figura do legado que carrega consigo essa responsabilidade só por existir. Entre os tantos parentes de lendas, destaco Sean Lennon, filho de John e Yoko, que sempre amou fazer música psicodélica (inclusive, fã declarado da banda brasileira Os Mutantes), mas via como barreira as comparações com o pai. Ele ficou anos flertando com o som psicodélico, mas só conseguiu superar a barreira após uma década e focando no cenário underground.

Conclusão

The Artful Escape é um bom jogo de videogame e uma experiência espetacular. Dito isso, fica claro que não trata-se de um título para todos os públicos, mas se você gosta de música, cinema e não se importa em abrir mão de uma jogabilidade desafiadora em prol de uma experiência, faça como Francis, caia de cabeça nesta aventura cósmica. The Artful Escape está disponível para Xbox One, Xbox Series S/X e PC no valor de R$ 74,95. Para os assinantes do Game Pass, o jogo pode ser baixado sem qualquer cobrança extra, em todos as plataformas disponíveis.

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E aí, ficou interessado no jogo e também gosta de música? Sabia que existe uma rede social dedicada em registrar tudo você escuta? Veja mais sobre o Last FM nesta reportagem! Fonte: Polygon | Xbox.com

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